E depois de acordar ficou aquele gosto da certeza que até então enquanto eu dormia jurava que era só uma impressão. A certeza única de que a realidade era maior que meu sonho, maior que eu mesmo e muito maior do que eu imaginava poder suportar. Acho que foi a primeira vez que tive contato com a realidade da vida e ela se chamava saudade.
Sonhava quase todos os dias, e também durante as noites quando deveria descansar era só colocar a cabeça no travesseiro e depois esperar pelas memórias, pelos sentimentos de desamparo que quase sempre acompanhavam as lágrimas. Eram muito bem vindas as lágrimas porque quando elas não vinham e vinham apenas as lembranças uma certa culpa tomava conta de mim. É como se para lembrar aqueles que haviam partido eu precisasse chorar, como um ritual merecido para mostrar-lhes o quanto eu sentia a falta deles, e para lembrar-me o quanto eu tinha medo de ter ficado para trás.
No começo quando perdemos alguém sentimos um aperto uma dor, como se a vida perdesse boa parte de sua cor. O sentimento que acompanha o luto não é propriamente a nostalgia e nem a saudade como alguns pensam, mas é o vazio. Vazio de um lugar, antes ocupado somente por aquele que era amado e que de certa forma se foi. Demora para perceber que este lugar nunca será ocupado por outra pessoa, demora para saber que o amor continua, o carinho continua, e na verdade, demora muito para perceber que o lugar vazio sempre ficará lá, vazio, faltando alguém, alguma coisa.
Demora muito mais para perceber que tudo bem, que o lugar pode ficar vazio, que a gente não precisa sempre chorar, que pode até sorrir quando se lembra daqueles que se foram, sorrir por lembranças boas. Demora quase uma eternidade (pelo menos é a sensação que tive, mesmo que não demore tanto, parece que é) para compreender que o sorriso e a expressão de amor é um tributo muito maior do que as lágrimas.
Poucas pessoas chegam a conclusão de que as lágrimas muitas vezes são apenas fruto do nosso egoísmo em querer as pessoas querida de volta, menos ainda, são as pessoas que se permitem pensar “egoisticamente” e compreender que está tudo bem.
Há quem diga que as fases do luto passam, estudos indicam 4 ou até 5 fases. Quem passa pelo luto, porém compreende que essas fases até podem existir, mas vira e mexe a gente volta de uma para a outra, porque uma vez que se tenha perdido alguém a falta acaba nos marcando como um carimbo, como uma marca de ferro no gado de corte.
Muitos livros de “auto-ajuda” insistem em nos fazer pensar positivo, olhar pra frente, deixar o que passou para trás, insistem em que há vida depois de tudo isso. Sim, há vida, mas não como era antes e isso é o que mais machuca, pois foi uma mudança que não tivemos escolha, que não pudemos optar e nos mostrou nua e cruamente o quão frágeis, quão dependentes, quão miséria somos todos nós. Citando o Pe Fiori, “ a vida é o instante que Deus beijou”.
Então durante as noites, quando sonhamos com os que se foram, há uma certa dúvida quanto àquilo tudo ser real, mas não importa, o que importa é que por um instante a mais, a saudade vai embora, o abraço é novamente possível e tudo volta ao “normal”. Mas é só um sonho, e quando acordamos, estamos de mau humor, deprimidos, tristes e com a sensação daquele ultimo abraço, daquele último sorriso, daquela troca de palavras que acabamos de trocar como se aquilo fosse a realidade e, a vida, um pesadelo.
É triste perder alguém, só que mais triste ainda, é pensar que será sempre tudo cinza, tudo sem cor, sem gosto, sem valor. Perdemos, eles se foram, mas tudo aquilo que nos ensinaram e que eles nos ajudaram a nos tornar deve permanecer vivos conosco, vivendo em nós.
A saudade está aí, o luto, o medo, a dor, o desespero em alguns momentos, até mesmo a vontade de morrer, mas também está a sua frente uma oportunidade única de amar ainda mais aqueles que ainda não se foram, aprender ainda mais dos que ficaram, e assim ser uma pessoa melhor. Ser, este verbo só pode ser pensado diante do luto como um desafio, ser é tremendamente doloroso, é como se parecesse (mas realmente só parece) que aquele de quem sentimos falta não pudesse mais ser, mas isso não é verdade, afinal eles se foram, e ainda serão, enquanto nos lembrarmos deles.
Outro problema é o tempo que vai passando e aos poucos vai apagando a memória, as lembranças queridas da voz, do cheiro, do carinho, mas não se preocupe, afinal ,a lembrança de que alguém especial esteve na sua vida ficará para sempre em seu coração. E na verdade é isso que mais importa, não tanto aquilo que fizemos, ou deixamos de fazer, mas que alguém especial passou por nós e que da mesma forma, fomos especial para nossos entes queridos.
4 comentários:
Ótimo texto!!!
saudações,
Paulo.
Há lutos que não passam nunca.
http://vemcaluisa.blogspot.com
Lembra-me o livro da dor e do amor, do Nasio.
Lembra-me Clarice Lispcetor "saudade é um pouco como fome".
quando a ela deixa de doer, depois de um tempo, a saudade torna-se uma ótima companhia...
:)
bela escrita.
bjs meus
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