Fim da repetição?

terça-feira, 12 de abril de 2011 0 comentários
       Sim, enfim um fim do especial sobre a repetição. 

       Relembrando um pouco o que foi falado até agora, repetir não é necessariamente fazer as mesmas coisas, mas uma forma de posicionar-se no mundo, uma forma de viver. Assim como os rituais tem várias formas diferentes de serem expressados, assim somos os seres humanos, que embora a cada dia possamos fazer diferente, lá no fundo acabamos repetindo sempre de novo, mesmo que de formas novas.

       Repete-se porque tem-se a sensação de estranhamento, de intimidade com uma situação muito familiar. No texto "O estranho" de Freud podemos pensar um pouco sobre a afirmação de que tudo o que é estranho é ao mesmo tempo muito familiar. Agir de uma forma diferente ante a uma situação não demonstra necessariamente mudança alguma na posição que o sujeito ocupa frente a sua vida, ao contrário, as vezes apenas aprendemos de alguma forma superar nossos erros e fazer coisas diferentes, coisas melhores, coisas "mais bem escolhidas". O cerne do sujeito por exemplo continua a manifestar-se.

       É até engrassado saber que uma pessoa que passou sua vida inteira fugindo de relacionamentos mais íntimos de repente se percebe não mais sendo indesejado, mas agora, não desejando outras pessoas. Parece que há uma mudança quando aparece o discurso de que ao invés de ser dito "As pessoas me abandonam" o discurso apresentado é o oposto (teoricamente) "Eu abandono as pessoas". Embora os comportamentos descritos sejam diferentes, em um primeiro momento o sujeito é abandonado e depois ele torna-se "ativo" e passa a ser "abandonador", mas continua sozinho. 

       Este poderíamos dizer que é o que repete neste sujeito. A posição de solidão, de ser sozinho. É exatamente isso o que ele é em essência: sozinho, um sujeito só.

       Mas nem tudo está perdido. Mesmo compreendendo que esta solidão possa ser sua essência, há varias maneiras de ser só. Estar só, por exemplo, e ler um bom livro e nisso descobrir a companhia de um bom amigo, mesmo que este amigo seja o autor que escreve como alguém que corresponde-se por cartas. Veja que em vez de procurar livrar-se da essência que ele é, agora há uma mudança radical na posição antes ocupada. De solitário ele percebe-se agora carente de uma companhia, de uma relação que descobriu ser possivel através da leitura, ou seja, não está mais só.

       Claro que as pessoas podem achar isso "viagem" demais, então vamos a um caso mais específico.

       No filme V de vingança há exatamente este tipo de solidão em que o vingador aparece como alguém culto, solitário, uma espécie de anti-herói. Há um certo prazer nisso pois ele começa a repensar em toda sua trajetória e contruir-se como aquele que deseja vingança e que vai realmente levar suas idéias até o fim. Após ajudar a Evey a se salvar e a abrir os olhos dela, bem no fim do filme, ele se ve diferente. Continua o grande solitário e desejante da vingança, mas percebe que algo mudou e passa a ela a responsabilidade de realizar seu objetivo.

       É exatamente no momento em que ela tem os poderes de fato de realizar e repetir o que foi lhe passado que ela tem uma subita mudança na posição que ela assumia, de vingadora tal qual seu mestre, para perceber que aquilo que ela estava para realizar vai um pouco além de uma vingança. Ela muda da posição de vingadora e mesmo repetindo o que dela era esperado ela fica em paz, pois algo mudou.

       O que mudou foi basicamente sua percepção de quem era seu mestre, de quem era ela, e em especial, do papel que ela estava representando em toda sua história. Aqui o ponto central é que é dado a ela, depois de muito preparo, a chance de decidir, é concedido a ela o poder sobre sua vida que vai além de seus atos. Mesmo repetindo o que era esperado e desejado por muitos, e que também traria muito mal-estar para outros, ela repete com a consciência de poder dizer que aquilo foi desejo dela, com a consciência (não tão tranquila assim) de que aquele movimento último era ela quem realizava, ela e somente ela.

       A mudança de posição frente a repetição mora exatamente neste ponto, em vez de um pesar sobre a repetição compreende-se e acolhe-se aquilo que tanto machuca, que tanto faz sofrer e que de uma forma ou de outra tão pouco sabe-se sobre este impulso. Ficando a sensação apenas de que a partir daquele momento a escolha é da pessoa que repete, e mesmo que repita, a pessoa agora pode dizer eu.

       E como no filme, para um Gran-Finale, coloco aqi algumas frases ditas por V.:

      
"Estás temeroso de ser o mesmo em teu próprio ato e valor de que em teu desejo? Não terás o que mais estimas , o ornamento da vida , e viverás um covarde em tua própria estima, deixando "Eu não posso" ultrapassar "eu farei", como o pobre gato no adágio?"... És um homem".  - Quando V chama a pessoa a responsabilidade de suas escolhas.

"Eis que me fiz de santo quando na verdade era o demônio"  - Quando V. compreende sua verdadeira essência.

"O que fizerão comigo me criou, é um principio básico do universo, que toda ação cria uma reação igual e oposta!" - Quando diz o mal que fizeram com V.

       É meus caros leitores, um surpreendente filme que mostra não um homem com um objetivo, mas um objetivo que tem um homem, pelo menos até quase o final.

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