Mas não foi no setting que aconteceu,

terça-feira, 5 de abril de 2011 1 comentários
       Aquela discussão foi mais uma das inúmeras discussões que drenaram suas forças durante anos. Seu pai e sua mãe cansaram de lhe dizer que deveria apenas escutar. Um ótimo psicólogo diziam seus clientes, mas em sua casa, estava mais para um ditador. Não queria saber de ouvir, não podia ouvir, afinal de contas o que seria tão importante que ele deveria ouvir de sua irmã e de seu irmão mais novo? Quando seus pais ainda estavam vivos dava-se muito bem com sua irmã e cuidava de seu irmãozinho como todo irmão mais velho fazia. Depois do acidente, ele passou a tratar seu irmão caçula como uma construção, tentando cercar e bordear, tentando colocar limites e fazer crescer, tentando, sempre tentando fazer de seu irmão mais novo alguém melhor, alguém que ele um dia foi, mas que deixou de ser fazia tempo.

       Ela não ligava muito para as discussões descabidas que seus dois irmãos tinham com relação ao futuro. De alguma forma sua vida mudara depois que saiu de casa para morar em outra cidade, fazer faculdade ela alegava, mas no fundinho de sua alma sabia que não suportava acordar e ver o culpado todos os dias. Culpado sim, ele deveria se haver com esta culpa, pensava ela, afinal de contas mais do que consumi-lo por tanto tempo está acabando com seu irmão mais novo. 

       Quando os dois encontravam-se ele sempre pensava que ela precisava de terapia. Na visão dele ela era arrogante, ele pensava que ela achava que ele era o culpado. A diferença é que ela não achava, ela tinha certeza. 

       Pena que não estudaram Freud. Entre um e outro ato falho, o irmão mais novo sentia que os dois estavam iguaizinhos seus pais pouco antes de morrer. Aquela criança de 8 anos para na frente de sua irmã de 22 e de seu irmão de 25 e diz na sua inocência: Vocês lembram muito papai e mamãe, não ficam juntos porque tem medo de morrer também?

       Haviam passado 4 anos desde o acidente que Julho causara e que ceifara a vida de seus pais. Ele não estava bebado, não estava correndo, não estava dormindo. Na verdade ele não estava lá. Enquanto seus pais brigavam no carro ele estava dirigindo, sem fazer absolutamente nada, mas foi naquele derradeiro momento em que tentou segurar sua mãe de avançar em seu pai. Naquele momento o carro bateu em alguma coisa e depois disso só se lembra de acordar com o olhar de sua irmã o fuzilando por retirar a única pessoa que o entendia, seu pai.

       Naquele momento em que seu irmão mais novo disse aquelas palavras, sabias de um analista muito experiente, analista da vida, do cotidiano, sua irmã vira e diz: Você devia falar alguma coisa. 

       Julho com  a memória deslocada, ainda tentando lembrar como tudo aconteceu solta um bola fora, o que estava cada vez mais frequente. Você sempre quer que eu fale, falar o que? Que eu sou o culpado? Que mamãe estava bebada e papai drogado? Falar o que você já sabe? Que eles tinham terminado e eu estava levando papai pro hotel? Falar o que? O que você tanto quer que eu fale? Que eu desejei que eles morresem pelo menos pra assim ficarem juntos e acabar com a desgraça que estava nossa família? É isso que você quer que eu fale? É isso que você quer ouvir?

       Carlinhos começou a chorar e então Amanda simplesmente ficou com a expressão de quem não deu conta do recado, de quem não sabia o poder que esta expressão: "fale" tem para os seres humanos. Com a pose de uma princesa, o que ela realmente era diante de seu pai, ela vira e diz em tom não de arrogância, mas com certa piedade: Não, era pra você dizer ao carlinhos o porque nossa família esta separada, não o que aconteceu.

       Sairam todos da cozinha, a noiva de Julho chegou para busca-lo, Amanda foi levar carlinhos na escola e aquela ferida aberta não pode cicatrizar. Tudo o que Julho pensava era que tinha falado demais, Amanda achava que ele tinha falado demais, carlinhos, pobre carlinhos, entendera perfeitamente que ele falou o que os tinha separado, mesmo sem Amanda entender, mesmo sem Julho querer. Carlinhos muitos anos depois virou para seu psicólogo e disse em tom de compaixão com seus irmãos que nunca mais se falaram com carinho e amor:

       Sabe Doutor, pena que não foi no psicólogo que isso tudo aconteceu, pena que não foi aqui.

       Ao que ele ouve alguns segundos antes de terminar a sessão: Foi sim, pelas suas lágrimas isso acabou de acontecer, está se sentindo melhor?

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