Sociedade de Leis

terça-feira, 1 de março de 2011 0 comentários
     Trabalhar com menores infratores tem sido um grande desafio ao mesmo tempo que tem dado-me muitas alegrias de novas perspectivas teóricas e também práticas.

     Algumas pessoas (acho que vendo por uma perpesctiva positivista) insistem em dizer que eles vivem outra realidade, que nas favelas existe um outro tipo de sujeito, uma outra sociedade. Ainda não me convenceram disso. Não creio que há diferença entre a sociedade do tráfico e a nossa. Não creio em duas sociedades paralelas (ainda). O que existe é que, de certa forma, algumas leis são diferentes, ou no mínimo a interpretação delas.

     Pensar em um mundo do crime sem leis é estupidamente ingenuo. O crime tem suas leis e pune com maior rigor e quase que imediatamente quem as descumpre. "Treta do crime nunca morre" este é o jargão utilizado pela maioria para mostrar que uma vez que ocorre a transgressão de uma lei, esta terá as suas consequências.

     A lei "normal" está pautada no direito Romano, é a lei, teoricamente, do respeito ao outro e à propriedade do outro (bem simplificado). Dentro do crime há a mesma lei. É respeitado o outro e também a propriedade dele.

     A diferença que podemos encontrar é na pessoa que está envolvida com o crime. A maioria dos adolescentes tem no discurso uma sociedade perversa onde o outro não importa. A lei não existe incorporada como para defender os outros, mas apenas para utiliza-la da forma como lhe aprouver, Em outras palavras cada um tem a sua lei, cada menino é a sua própria lei.

     Quando discuti com um dos menores atendidos sobre a possibilidade da mãe abandonar alguém ele disse que isso era impossível, a mãe nunca abandonaria seu filho. Depois de arregalar os olhos como que tentando compreender da onde eu tirava aquelas idéias disse-me com uma voz mais elevada: "se abandonou ou esqueceu do filho é porque não é mãe."
     A lei estava impressa e podia ser percebida pela fala de que a mãe não pode abandonar, não pode faltar, não pode falhar. É uma regra, é uma forma de diferenciar a mãe dos animais (princípio das leis humanas que tentam dar conta da ordem da civilização), se acaso a mãe faltar, ela deixa de ser mãe, então passa a ser qualquer outra coisa, talvez até um animal.

     Na verdade quando eles dizem suas infrações com a maior naturalidade possível - estelionato, latrocínio, sequestro, tráfico, entre outros - eles estão realizando algo que transgrida a lei social, mas não estão transgredindo nenhuma lei para a compreensão deles. Na tentativa de justificar seus atos infracionais ainda nos jogam contra a parede perguntando se nunca viramos o carro sem dar a seta apropriadamente. A lei está sim (pelo menos parece) interiorizada mas, todavia, falta a compreensão de que o outro também tem direitos, de que o outro também é gente, de que o outro é um outro assim como o menor é para este outro.

     Para finalizar, coloco aqui o barulho insurdecedor de uma impressão que tive do filme "Cidade de Deus" onde na hora de rezarem o "Pai Nosso" um dos grupos diz em alto e bom som "Seja feita a NOSSA vontade". Somente por este trecho podemos compreender que o outro é alguém que, talvez, somente por existir, já está transgredindo a lei do criminoso. 

     A perversão é por este caminho, alienar-se da existência do outro ao ponto de ser o único que supostamente deve gozar, autosuficientemente.

     Por estes e outros motivos, não creio que sejam sociedades diferentes, mas apenas sujeitos que não se enquadram em nossas normas sociais. Lembrando que muitos traficantes, assaltantes e até mesmo, porque não, assassínos, talvez sintam culpa, mas não perimitimos que possam expressar-se, ou quando o fazem, trazemos eles para nossa lei perversa imaginando que não tem culpa sincera, culpa verdadeira ou arrependimento.

     Acho que o filme "O Leitor" (penso que é este mesmo) frisa muito bem isso tudo, a mulher é condenada por um crime que de certa forma "não cometeu" e arrepende-se, mas em nome de uma Lei, condenam a pobre inocente e quase todos ficam satisfeitos no final, exceto quem sabia da verdade.

     Fica aí a dica de filme para esta quarta-feira para quem não curte futebol "O Leitor" um ótimo filme.

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